Olhinhos Brilhando

por CorujaJF
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Quem não tem saudade daquela época em que era gostoso assistir à televisão, todos de pijaminhas de flanela no frio, pai, mãe e filhos juntos num sofá aconchegante?

Era só dizer estar na hora de dormir e não espere mamãe mandar que fluía , apesar da resistência natural do ser humano, ainda que criança , a vida seguia.

Era saudável.

Seus olhinhos brilhavam na noite , a escutar a novela das dez bem baixinho ao longe , com a janela a gotejar luzes de estrelas e sonhos.

Você tinha aquele prazer de sentir o carro passar numa descida com lombada e frio no estômago, pedindo ao pai para passar de novo e de novo...

Almoço ou jantar no sábado tinha sabor especial , pois não era em casa, só aos domingos era com todo o familião. As pessoas tinham tempo para vir em casa almoçar no meio de semana para ver a entrada e a saída dos filhos nas escolas.

A lembrança traz felicidade também e se instala a nostalgia em todas as almas viventes com mais de 40 anos.

Lembra do dia inicial que entrou na primeira série primária? Perguntavam-lhe se você já sabia ler e se já tinha noção do que era tabuada...

Sabe aquele seu sonho secreto , o bom e o bem-estar que lhe incutiam a família? Seja bom meu filho e que Deus te abençoe. Fique com Deus.

A cadeira de balanço do vovô e da vovó, esta que estava sempre disposta a ajudar com regalias e estórias, fazendo bolos nas tardes ensolaradas; saudade dos cochilos à tarde que demoravam a começar por causa da observação da poeira levantando em fachos de luzes vindos da janela.

O piquenique era uma festa e toda a família se reunia num lugar aprazível, contando formigas na grama , a fazer planos de viajar nas férias.

Uma pessoa que chegava de viagem era um assombro. Uma festa ao tio que chegara de longe e o que hoje se faz em duas horas, se fazia em seis ou doze, por RURAL WILLIS ou mesmo num ITAMARATY. Que gostoso quando era de trem.

Falar nisto, as casas com tábuas corridas que tremiam e que anunciavam um trem de duas em duas horas, um relógio que mexia com a cama e que dava a segurança : o mundo ainda rodava.

Lembra do seu primeiro dia no seu emprego?

Lembra da ajuda que deu à sua mãe para lhe comprar uma máquina de costura da SINGER?

O cheiro da máquina de escrever e do mimeógrafo nos escritórios do pai ou do tio.

O leite em garrafas de vidro nas portas e o pão amarrado em papel, na soleira ou na sua janela e o seu avô chegando com um pente, passando-o rápido, a imitar uma metralhadora nas madeiras da janela.

O hábil que descia do bonde em movimento e outro a colher os valores , entre dedos, fazendo das notas um leque.

O cheiro, o sabor e as luzes eram maiores e melhores?

Havia tempo para conversar ,apesar das distâncias maiores e dos horários de almoço com verduras frescas provindas das feiras, pelas mãos dos pais que eram recebidos com abraços.

Você é uma pessoa feliz se se lembrar de metade disto.

O individualismo era uma palavra novaiorquina ou parisiense, mas que tinha glamour intangível, a recordar palavras de Maurice Chevalier.

O individualismo era a vontade no íntimo de que o dia seguinte se repetisse sem surpresas, mesmo com tanta dificuldade em se comprar uma STANDARD ELETRIC ou um SEMP, com direito à bailarina e tudo mais, para se ouvir o REPORTER ESSO ou a HORA DO BRASIL.

Subir em árvores e não temer a vara de marmelo mais do que a falta dos cuidadores.

O amor de ver olhinhos brilhando na hora de se descobrir que o vovô era o sábio que já tinha desistido de repreender os filhos pelas traquinagens , mas de afagar os netos pela falta de sapiência não passada aos filhos quando ainda não se tinha a idade para se saber.

As pessoas merecem isto hoje e não têm. Ontem , não sei o porquê , lembrei-me dos 111 do Carandiru . Vivi para ver ao vivo o início da era da intolerância. Todos aqueles foram bebês algum dia.

Lembrei-me das torres gêmeas caindo, e conectei fatos ON LINE trazidos pela televisão e pela INTERNET e que nos colocaram em face de um admirável mundo novo que de tão novo dá vazão ao pior do ser humano. Pensei que se Deus é um só com vários nomes, por que não se respeita qualquer ser humano como pessoa simplesmente? Ao invés disto se criam cotas, leis que determinam que as pessoas, por opções ou por sua cor, são tão diferentes que não há a igualdade de tratamento e assim se punirá por causa do preconceito e pela constante presença da intolerância total, fruto da desconfiança.

Pergunto: Quem está criando os inocentes desta era? Os avós, os amigos ou as casas de menores? Os orfanatos de outrora eram piores do que os pais de hoje?

As unidades familiares mudaram, mas acho que todos, até os mais novos, têm saudade do que não viveram. O que passou como um cheiro de brinquedo novo. Entendo que hoje não se vive, só se respira e se cobra para se alcançar um ou outro bem que diferencie tanto um do outro que está valendo tudo para se afogar a mágoa de não ser feliz.

 

JOÃO CARLOS DE SOUZA LIMA FIGUEIREDO

CORUJAJF

Publicada na Revista Bizentour em Janeiro de 2010